22 de outubro de 2020

Tempo e vestígios do caminho

O tempo às vezes me assusta com truques. Cada passo que dou é uma nova surpresa, nova armadilha, novo presente. Os presentes do tempo sempre chegam me cortando, dividindo percepções e entendimentos cristalizados. Às vezes parece que tenho o dom de permitir que coisas sejam outras, sem cerimônias e aceitando mudanças e transformações.

Imagem: lenamacka.com

Nesse último final de semana, fui a minha cidade natal e tive oportunidade de aproveitar bem cada momento com amigos e lugares pelos quais tenho muito apreço. Sempre penso em Quixadá como uma cidade que me acolhe, não pela cidade em si, mas pelo que as energias fora do contexto da normose (noutro momento falo um pouco disso). 

Penso nessa cidade como um lugar onde sempre irei voltar, pois é lá onde consigo lembrar as coisas. Nos últimos anos tenho seguido caminhos onde experiências traumáticas me estimularam ao esquecimento e lembrar é esse tal presente que o tempo traz.


Acredito que qualquer pessoa que volte e ter contato com suas origens, chegue a ter a memória reavivada como um fogo que recebe combustível para queimar. Vestígios meus vieram a tona, embalado por instantes de experiências com o passado. Bastaram poucos estímulos para dar espaço para mudanças.


Soube que um amigo querido estava escrevendo em blogs e pedi que ele compartilhasse comigo. Então ele me apresentou dois de sua autoria que eram postados aqui, nesta plataforma de escrita. 


Bloggers são plataformas que já foram bem populares entre pessoas que gostavam de escrever no começo dos anos dois mil. Um ambiente de divulgação de textos que eram produzidos sem pretensões, expectativas ou julgamentos visíveis. Hoje os bloggers modernos são induzidos a um funil mercadológico, onde para ser blogger você deve construir um legado composto por plano de marketing, estratégias de engajamento, venda de conteúdo, monetização, manutenção da autoimagem e muito mais. Não que nesta não possua este recurso, mas a funcionalidade do uso dessas ferramentas aqui, parecem ter ficado no início dos anos dez. Hoje existem outros mais populares, como WordPress ou Medium que estão bombando e construindo um legado de uma geração ativamente escritora.


Imagem: Mimmo Paladino

A propósito, a nomenclatura bloggers, antes era relacionada a escritores, colunistas, críticos e hoje aportuguesa-se com o termo blogueiro, desdobrando-se socialmente no conceito de transmídia. Não somente relacionados a escrita, mas ao vídeo, podcast, etc.  Não ouso criticar esse tipo de trabalho. Quem sou eu para pôr em cheque o ganha pão de qualquer pessoa? Porém, não posso deixar de observar e refletir sobre pontos importantes em suas consistências ou durabilidades e quem sabe num outro texto venha expor um pouco disso também. — Enfim, quem se importa?


Voltando ao contato com os blogs do meu amigo, principalmente o blog de assuntos pessoais o Câmera Obscura, devo assumir, aquilo foi um presente do tempo. Seus textos me inspiraram a falar sobre o que sinto. Esse meu amigo é um ser fantástico, sensível, repleto de vivências que o trouxeram ao campo das narrativas poéticas. Lê-lo foi também conhecer um pouco mais dele e imaginar seu processo de escrita. O que ele vivencia pra sentir e partilhar o que está lá. Lembrei o quanto sentia prazer em sentar e escrever. Coisa que por muitos anos, na minha caminhada enquanto designer gráfico e ilustrador fui deixando para trás. Não me pergunte os motivos. Há coisas que a gente vai esquecendo mesmo e tals. Daí, vem tal idade e pá!, elas voltam com tudo. — Jovens, não tenham pressa.


Por sorte, não excluí essa conta e ao revisitá-la, me deparo com algumas postagens antigas e bobas. Como a gente muda, não é mesmo, irmãs? Doravante, está de volta o Projeto Suspeito. É o mesmo título de sempre. Criei isso pensando em contextos fragmentados sobre o silêncio, a dúvida, a poesia, a pluralidade do espectro da figura humana, além do desafio de confrontar com meus próprios egos e convicções. Aqui será um cantinho de depósito dos meus lixos internos. Não espero que gostem.


Confesso, tenho dificuldade em falar com o verbo falado. As palavras travam quando estou frente às pessoas e preciso partilhar assuntos importantes. Isso já causou muitos problemas a muita gente e claro a mim, no entanto, consigo desprender com facilidade meus pensamentos escrevendo, mesmo sabendo que não escrevo funcionalmente usando todas as regras gramaticais da nossa língua deliciosa. Escrever algo para alguém é para mim como um rito. Algo sagrado que simplesmente acontece. Na verdade, nem me importo muito com a ordem do ritual, mas sim com o efeito. Aqui permito este pacto e não vou me importar tanto assim com erros.


Foto: trilha da Pedra Riscada (16.10.2020, Quixadá-CE)

Espero me manter inspirado para registrar alguns sentimentos e anseios que não conseguiria partilhar em uma grande rede social, ou talvez, falando no tête-à-tête. Até o ambiente aqui parece ser mais silencioso. É como se fosse uma casa na serra, com aquela brisa fresca e som das folhas das árvores centenárias brincando umas com as outras. É um mundo encantado onde poucos habitam, ou voltam a reabilitá-lo conforme os significados atinam as vidas. O tempo me deu esse presente e quero poder deixá-lo aqui de tempos em tempos.


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