4 de março de 2021

Lockdown

Com o novo lockdown em Fortaleza por conta do covid, naturalmente algumas pessoas passarão a manifestar desprezo por quem acabou indo à praia, viajando, participando de encontros presenciais ou deixando o claustro domiciliar nos últimos meses. 

Nick Lu - Joanie Bernstein: Art Rep
Nick Lu - Joanie Bernstein: Art Rep - joaniebrep.com

O mesmo impulso de julgamentos que vi no começo do ano passado, que inclusive fui protagonista, mas que depois compreendi que não se tratava simplesmente do outro, a criatura inconsciente e sem noção que não conseguia parar quieta em casa. 

Um dia desses, diante de uma dessas raivas que tive de quem saía de casa, vi uma notícia sobre pessoas em ônibus lotados, pessoas indo ao trabalho, violadas pela obrigação da sobrevivência em uma cidade grande. Em outra, vi sobre uma família de 13 pessoa que dividiam uma casa de 5 cômodos. 

Nessa experiência me perguntei: adiantaria, apesar do perigo, julgar sem empatizar com o que teriam pra fazer em casa durante confinamento? Não tendo respostas, fiquei em silêncio e mudei o direcionamento das minhas reflexões. 

Passei a ver que pessoas que reclamavam na internet de atitudes assim, possuíam a a mesma fervorosidade do meme do cão que latia contra outro por trás da porteira fechada (a internet), mas que quando ela abria, já ficava intimidado sem passar daquele limite (as redes sociais), no conforto de suas propriedades e estruturas domiciliares. 

Indo mais a fundo sobre o grupo de críticos, me atrevi imediatamente a descrever um pouco de seus modos de vida. Geralmente mora num bairro "nobre", condomínio cercado, pode ter um carro, ou uma casa de veraneio na serra onde tem acesso a ambientes abertos sem muito risco, possui apartamento amplo com janela arejada, tv a cabo, netflix, amazom prime, consoles de vídeo game e sobretudo internet de banda larga paga. É empregada, faz home oficce e no tempo livre prepara tutorial de comida vegana ou compartilha threads de espiritualidade nos historys. 

Não, isso não é um julgamento do julgamento. Não entro na dança macabra das redes sociais. Acho que é mais uma observação sobre privilégios e como a cegueira capitalista nos impede de compreender nuances e contextos específicos de outres. Como amamos odiar. Quanto aos outros, os culpados, entenda a culpa nunca é só deles, é também nossa. 

Há uma atmosfera mórbida rondando o tempo. Nós que estamos nesse fluxo de morte há meses, que hoje nos visita a cada 40 segundos e sem perspectiva real de trégua, não temos outra opção e disposição que não chorar o sofrimento de uma "prisão" domiciliar, uma quarentena de um ano e claro, a partida daqueles foram visitados por ela. 

O corpo como potência teimosa, se esperneia pela sobrevivência, pelo movimento, por tudo aquilo que esse sistema friamente arquitetado nos tira e apesar do vírus, do presidente, do confinamento, a vida ainda urge em nossos jardins infrutíferos. Estarmos quietos em nossas casas, com recursos, água, comida, comunicação é uma dádiva. Nesses tempos mortais, respirar é um presente que só nós mesmos podemos dar e isso já basta.

31 de dezembro de 2020

Que ano foi esse?

Não gosto de retrospectivas, quando me percebo vendo memórias, costumo correr disso, sou uma pessoa assombrada com o passado, o aprendizado que ele me traz já é iminente ao presente em que vivo, talvez por essa aversão, costumo seguir caminhando.


Se fosse definir esse ano em uma palavra, usaria "julgamento" pois foram nossas atitudes postas em questão o tempo inteiro, desde listas de como ser uma pessoa melhor, padrões, modelos a vigorarem conforme o teor de stablishment social e a despeito de contextos sutis de aprendizado que somente fazem sentido no corre de cada um.

Ironizo as regras, faço delas piadas, pois sinto que elas não ensinam nada, te deixam estático, mórbido dentro da própria redoma de certezas, são conjuradoras naturais do medo. Então por que criamos e amamos tantas regras? Por que precisamos ter controle de tudo? 

O menor valor que poderia dar às regras seriam vislumbres de sinalizações no meio de um trajeto, onde posso ver o caminho em que seguirei. Dali em diante, é comigo, não preciso carregar essas bandeiras, o que elas já tinham ensinar foi ensinado.

A vida é tão fluida. O aprendizado real é aquoso, não rola de você segurar um saber. Você pode até tentar carregá-lo por um tempo, mas depois vai se evaporando, vira ar, ou escorrega pelas beiradas. O conhecimento se instala sem previsão e sem pressa, granula-se pelas células sobre nossa realidade, assim como um vírus que entra em nosso corpo sem pedir, sem seguir regras.

Um vírus aprende sua lição no momento propício, depois se desvanece, vira outro vírus mais forte, ou é destruído por imunizantes. Se um ser tão pequeno pode nos ensinar tanto, por que fazemos questão em apontar os passos de nossos semelhantes? E se fossemos um vírus? Quem criaria regras para imunizar o planeta? 

Seres microscópicos tem muito a aprender com microrganismos.

22 de outubro de 2020

Tempo e vestígios do caminho

O tempo às vezes me assusta com truques. Cada passo que dou é uma nova surpresa, nova armadilha, novo presente. Os presentes do tempo sempre chegam me cortando, dividindo percepções e entendimentos cristalizados. Às vezes parece que tenho o dom de permitir que coisas sejam outras, sem cerimônias e aceitando mudanças e transformações.

Imagem: lenamacka.com

Nesse último final de semana, fui a minha cidade natal e tive oportunidade de aproveitar bem cada momento com amigos e lugares pelos quais tenho muito apreço. Sempre penso em Quixadá como uma cidade que me acolhe, não pela cidade em si, mas pelo que as energias fora do contexto da normose (noutro momento falo um pouco disso). 

Penso nessa cidade como um lugar onde sempre irei voltar, pois é lá onde consigo lembrar as coisas. Nos últimos anos tenho seguido caminhos onde experiências traumáticas me estimularam ao esquecimento e lembrar é esse tal presente que o tempo traz.


Acredito que qualquer pessoa que volte e ter contato com suas origens, chegue a ter a memória reavivada como um fogo que recebe combustível para queimar. Vestígios meus vieram a tona, embalado por instantes de experiências com o passado. Bastaram poucos estímulos para dar espaço para mudanças.


Soube que um amigo querido estava escrevendo em blogs e pedi que ele compartilhasse comigo. Então ele me apresentou dois de sua autoria que eram postados aqui, nesta plataforma de escrita. 


Bloggers são plataformas que já foram bem populares entre pessoas que gostavam de escrever no começo dos anos dois mil. Um ambiente de divulgação de textos que eram produzidos sem pretensões, expectativas ou julgamentos visíveis. Hoje os bloggers modernos são induzidos a um funil mercadológico, onde para ser blogger você deve construir um legado composto por plano de marketing, estratégias de engajamento, venda de conteúdo, monetização, manutenção da autoimagem e muito mais. Não que nesta não possua este recurso, mas a funcionalidade do uso dessas ferramentas aqui, parecem ter ficado no início dos anos dez. Hoje existem outros mais populares, como WordPress ou Medium que estão bombando e construindo um legado de uma geração ativamente escritora.


Imagem: Mimmo Paladino

A propósito, a nomenclatura bloggers, antes era relacionada a escritores, colunistas, críticos e hoje aportuguesa-se com o termo blogueiro, desdobrando-se socialmente no conceito de transmídia. Não somente relacionados a escrita, mas ao vídeo, podcast, etc.  Não ouso criticar esse tipo de trabalho. Quem sou eu para pôr em cheque o ganha pão de qualquer pessoa? Porém, não posso deixar de observar e refletir sobre pontos importantes em suas consistências ou durabilidades e quem sabe num outro texto venha expor um pouco disso também. — Enfim, quem se importa?


Voltando ao contato com os blogs do meu amigo, principalmente o blog de assuntos pessoais o Câmera Obscura, devo assumir, aquilo foi um presente do tempo. Seus textos me inspiraram a falar sobre o que sinto. Esse meu amigo é um ser fantástico, sensível, repleto de vivências que o trouxeram ao campo das narrativas poéticas. Lê-lo foi também conhecer um pouco mais dele e imaginar seu processo de escrita. O que ele vivencia pra sentir e partilhar o que está lá. Lembrei o quanto sentia prazer em sentar e escrever. Coisa que por muitos anos, na minha caminhada enquanto designer gráfico e ilustrador fui deixando para trás. Não me pergunte os motivos. Há coisas que a gente vai esquecendo mesmo e tals. Daí, vem tal idade e pá!, elas voltam com tudo. — Jovens, não tenham pressa.


Por sorte, não excluí essa conta e ao revisitá-la, me deparo com algumas postagens antigas e bobas. Como a gente muda, não é mesmo, irmãs? Doravante, está de volta o Projeto Suspeito. É o mesmo título de sempre. Criei isso pensando em contextos fragmentados sobre o silêncio, a dúvida, a poesia, a pluralidade do espectro da figura humana, além do desafio de confrontar com meus próprios egos e convicções. Aqui será um cantinho de depósito dos meus lixos internos. Não espero que gostem.


Confesso, tenho dificuldade em falar com o verbo falado. As palavras travam quando estou frente às pessoas e preciso partilhar assuntos importantes. Isso já causou muitos problemas a muita gente e claro a mim, no entanto, consigo desprender com facilidade meus pensamentos escrevendo, mesmo sabendo que não escrevo funcionalmente usando todas as regras gramaticais da nossa língua deliciosa. Escrever algo para alguém é para mim como um rito. Algo sagrado que simplesmente acontece. Na verdade, nem me importo muito com a ordem do ritual, mas sim com o efeito. Aqui permito este pacto e não vou me importar tanto assim com erros.


Foto: trilha da Pedra Riscada (16.10.2020, Quixadá-CE)

Espero me manter inspirado para registrar alguns sentimentos e anseios que não conseguiria partilhar em uma grande rede social, ou talvez, falando no tête-à-tête. Até o ambiente aqui parece ser mais silencioso. É como se fosse uma casa na serra, com aquela brisa fresca e som das folhas das árvores centenárias brincando umas com as outras. É um mundo encantado onde poucos habitam, ou voltam a reabilitá-lo conforme os significados atinam as vidas. O tempo me deu esse presente e quero poder deixá-lo aqui de tempos em tempos.


11 de março de 2016

fome. informática onde se aquecem os pães frios da inferiorização, para comê-los sem pensar sua carne, cada miolo restante, o prato principal vem coberto de jazidas de ouro amadeirado e um suposto friccionar das partes íntimas ocultas pelo social


6 de dezembro de 2013

Zine "Róstos"

Como é o seu rosto?

Lançamento do nosso fanzine, "Róstos", amanhã, (sábado - 7/12), no ManiFesta -Festival das Artes. 
Local: Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.

Fanzine "Róstos" - Uma compilação imagético-literária das impressões faciais registradas nos espaços sociais. (38 páginas, preto e branco). R$ 5,00.


17 de novembro de 2013

Feijão Paixão

Todos os sábados de novembro, as 16h, no Ato Antes.
Instituto de Cultura e Arte da UFC.
Avenida Carapinima, 1615. - Fortaleza-CE